A pedagogia desde dos 7 aos 14 anos

Quando me foi pedido para fazer um texto que abordasse a idade compreendida entre os 7 e os 14 anos de idade numa escola Waldorf, o primeiro pensamento que tive foi: todas as escolas têm textos com esta informação e a mesma é facilmente acessível com os meios tecnológicos vigentes.

Foi com esta consciência que decidi dar uma pincelada pela pedagogia neste 2º seténio. Quero que o meu pincel se mova livremente e que o seu utilizador seja por si mesmo responsável. Assim, a minha reflexão não está vinculada a qualquer movimento Waldorf/Antroposófico e sim à minha individualidade. Na altura em que vivemos, a Pedagogia Waldorf e a Antroposofia no geral caem num dogmatismo, numa formatação e numa procura de estereótipos que nos acomodem ou apaziguem. Ficamos satisfeitos com o trabalho que já foi feito por nós e cómodos com o pensamento da impossibilidade de atingirmos tudo o que Rudolf Steiner nos ofereceu.

Não sou um grande leitor de Rudolf Steiner, mas nunca li algo como: “- Não se pode fazer isto.” Ou então” – Só se pode fazer assim.” Na minha opinião, quando se deu a sua morte, os seus seguidores, com medo que os seus ensinamentos se perdessem, começaram a criar formatos e a aprisionar as palavras livres que este homem proferiu. Entendo mas não pactuo.

Nos 12 anos em que tenho sido professor nesta pedagogia noto que Steiner responsavelmente me vai libertando e que muitos outros, que seguem a Pedagogia Waldorf, me tentam aprisionar. Mais adiante poderei dar exemplos da tentativa de doutrinação tão comum neste meio.

O que vou em seguida escrever pode-se encarar como uma possibilidade, como algo para se pensar e pesquisar.

A criança, com os seus 7 anos, desliga-se agora totalmente de sua mãe e está pronta para receber educação por alguém exterior ao seio familiar. Quando tudo ocorre de forma natural a criança entrega-se de coração ao seu professor criando-se um canal “invisível” por onde todas as aprendizagens terão lugar. Nesta idade a criança ainda se sente pertencente a um todo. Tudo é uno. A meu ver todas as tarefas escolares visam uma saudável encarnação. Todo o trabalho de escrita faz-se de cima para baixo e com materiais “pesados”, com bastante matéria. As imagens são a forma de trazer o conhecimento à criança. Com 8 anos dá-se uma divisão da unidade. O bem e o mal, a veneração e a mentira, a definição da lateralidade. Podemos trabalhar as simetrias, a multiplicação e divisão, o ouvir fábulas e contos de homens santos, trabalhos manuais com recurso a uma lateralidade definida. Com 9 anos aproxima-se um grande acontecimento, a vivência pela segunda vez, do eu. A criança sentir-se-á sozinha pois um eu representa uma separação do tu e de tudo o que nos rodeia. Pela ciência está provado que se dá um último movimento de fecho do crânio e este fecho pode ser visto como um deixar do paraíso passado. Pedagogicamente pode-se dar ferramentas para as crianças se sentirem seguras neste novo mundo ensinando a fazer uma casa, a semear cereais e fazer posteriormente pão, estudar profissões e até a fazer um gorro de forma a acompanharmos este sentimento de isolamento. Nas narrações podemos contar as histórias do Antigo Testamento com a expulsão do Paraíso e todas as conquistas que o homem teve de fazer.  Desta forma damos as ferramentas para a criança se sentir apta para agir no mundo. Os conhecimentos básicos para se sentir seguro. Quando dava aulas nas escolas convencionais (durante 10 anos) todos os 3º anos eram problemáticos. Pensemos se eram as crianças problemáticas ou se seria o que lhes ensinavam que nada tinha haver com  a sua nova forma de ver o mundo? A lógica desta educação é o acompanhar o desenvolvimento do ser humano, sendo portanto, essa a lógica nos anos vindouros. Todas estas sugestões devem ser somente isso, pois o facto de haver um currículo Waldorf parece-me ser, por si só, uma extrema incoerência. Todos precisamos de bengalas mas quando estas nos fazem curvar sobre nós próprios e vivermos dependentes delas, algo não me parece Waldorf. Esta pedagogia deveria reerguer seres humanos enquanto estes fazem erguer novas individualidades.

Numa escola Waldorf, em princípio, os conhecimentos serão feitos de baixo para cima. Primeiramente a criança experimenta e vivência as aprendizagens com todas as suas forças volitivas, nesse processo desabrocham sentimentos em relação às vivências e só depois as aprendizagens se transformarão em conceitos/abstrações. Vejamos o que acontece no ensino convencional. Atiram-se conceitos e abstrações, que um dia poderão ser ou não apreciados e que talvez sejam postos em prática. No exemplo da escola Waldorf é muito importante o caminho individual das aprendizagens. Feitas desta forma, cada criança terá a possibilidade de fazer as suas aprendizagens ao seu ritmo e a percorrer o seu caminho até chegar ao conceito. Muitas poderão não chegar ao conceito abstrato mas todas saberão executar as aprendizagens. Numa escola convencional só há um caminho para todos e quem não se encaixa já não faz parte do baralho. Não há espaço para a criação pois o caminho já está traçado. Todos decoraram metas curriculares mas poucos sabem para que servem.

Numa Escola Waldorf os ritmos são os mesmos dos da agricultura e de todos os trabalhos ditos “antigos”. São os mesmos ritmos da lua, dos planetas e do sol sem que se entre num misticismo desfasado da realidade. Trabalho e pousio das várias áreas curriculares, ritmos repetitivos na sala de aulas, no dia a dia, semana a semana, estação a estação dão segurança à criança e possibilitam um aperfeiçoamento cada vez maior. Confundir ritmos com rotinas é algo que me deixa triste. Cair na hipnose da rotina e não mais sair dela pode tornar a pedagogia mais viva que já conheci em algo morto embora vestido de algo a que chamaram Waldorf. Um rebanho que deixou de pensar só porque tudo é perfeito.

Rudolf Steiner fala-nos que neste seténio a criança tem de viver “o mundo é belo”. O que é o belo!? Certo dia perguntaram se um Professor Waldorf sem uma perna poderia ser professor. Quase todos os alunos (do curso desta pedagogia) disseram que não. Que choque! O belo é aquele vendido nas revistas de moda ou então no que é patenteado pelas marcas associadas a esta pedagogia. Com tantos materiais de extrema qualidade e professores que, exteriormente, são perfeitos no que fazem, o que estaremos a ensinar às nossas crianças? O belo e o perfeito só podem ser um e tudo o mais é feio e não cabe na perfeição que é esta pedagogia. Esta é uma  pedagogia real, um caminho para … (como afirmou Steiner) só poderá ser perfeito e belo se os nossos olhos começarem mudarem o seu olhar. O mundo é belo porque posso errar e viver com esse erro. Porque posso transformá-lo em algo único. Porque esse erro pode ser uma nova redescoberta. O mundo é belo porque posso falhar sem ser castigado pelo outro, porque um professor sem uma perna pode ter aprendizagens extremamente significativas para a educação das suas crianças. O mundo é belo porque, nesta constante auto – educação, eu posso vir a ser melhor, dia após dia.

Nesta pedagogia o conhecimento é trazido única e exclusivamente pelo professor. Que enorme responsabilidade! Podermos ter a liberdade de trazer o conhecimento para os nossos alunos. Através do meu pensamento sadio poder fazer essa caminhada. 

Por falar em caminhada!

Estamos a educar seres que atuarão no futuro. No ensino convencional estamos a formar cidadãos, ou seja, estamos a educar para a sociedade presente que se assenta em preceitos do passado. Ora, quando estas crianças forem cidadãos tudo terá mudado mas a sua educação tornou-os obsoletos. Quando educamos tendo em vista o futuro temos de ter bem presente aquilo que as crianças são e, como numa balança, aquilo que elas trazem para o futuro. Temos de ter uma confiança sempre presente no futuro e que o que é presentemente  impossível poderá vir a ser uma verdadeira possibilidade. Educar para a liberdade será o maior desafio de um professor pois o seu caminho para a liberdade está intimamente ligado com o das suas crianças. Queremos indivíduos livres que saibam ser cidadãos únicos.

Hoje em dia, uma aula Waldorf tem uma estrutura definida (falo na grande generalidade dos casos). Quando não se cumpre essa estrutura não se é Waldorf. Rudolf Steiner falou, a título de exemplo, que as aulas deveriam ser ritmadas e criou-se uma parte rítmica. Havendo uma parte, partiu-se a aula e a mesma deixou de ser ritmada. Falo como professor que ainda está amarrado a essa parte rítmica e que ainda não conseguiu transformar a sua aula para esta ser ritmada. Temos de começar por algum lado mas vejo que, na maioria das vezes, o que temos que fazer é limpar, retirar, de forma a nos encontrarmos naquilo que estamos a fazer.

No meu entender a criança, desde o primeiro dia, encontra o seu professor e, aos seus olhos, ele é perfeito. A perfeição é a sua imperfeição desde que haja uma busca sincera pelo seu aprimoramento e pelo constante respeito por este encontro que tem com cada criança. Sempre presente no futuro, é seu dever agir em conformidade com as suas observações, ações e pesquisas, devendo decidir livremente e não condicionado à própria pedagogia que segue. Independentemente da pedagogia em que nos assentamos, o importante é sermos verdadeiros no que pensamos, sentimos e agimos de forma às nossas crianças agirem, sentirem e pensarem de forma sadia.

Para mim esta pedagogia é perfeita e eu já não seria professor há 12 anos caso não tivesse encontrado esta forma de me educar. Vou aprendendo que não existem escolas arco-íris enquanto eu não conseguir abarcar todas as cores, mas que, como todos, estou no caminho.

João Ferreira

Professor do 3º ano da Escola Waldorf da Amoreira

 

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